O impacto social das novas tecnologias no Brasil e no mundo
Mauro Pinheiro
Internet e seus efeitos de globalização
Muito tem sido discutido no meio acadêmico sobre o que representa a Internet no cenário mundial. Marcadamente distinguem-se duas posições, uma mais otimista que acredita que a Internet promoverá a integração entre os povos.
Outra vertente, mais pessimista, vê a rede como mais um instrumento de dominação e controle, a nova ferramenta que garantiria a permanência dos grupos econômicos que historicamente se mantém no poder.
Diante disso, fica a dúvida: a Internet é um instrumento que favorece a alteração ou permanência da ordem mundial?
Alguns motivos pelos quais a Internet tem sido vista como algo positivo para a sociedade:
- Os meios de divulgação da informação não estão mais restritos aos grupos econômicos que tradicionalmente centralizavam os veículos de comunicação.
- Teoricamente, a WWW é o espaço onde o ser humano tem direito a voz, à informação e à discussão de sua realidade, de maneira irrestrita e sem intermediários. O indivíduo independeria de grupos que o representassem, dizendo livremente a sua palavra. A Internet representaria então um espaço neutro onde os problemas comuns poderiam ser discutidos abertamente.
- Há a possibilidade de intercâmbio cultural, favorecendo o enriquecimento da experiência coletiva.
Alguns motivos pelos quais a Internet tem sido vista como um instrumento de manutenção da situação mundial:
- É indiscutível que com o surgimento da Internet, ocorre uma circulação de quantidades cada vez maiores de informação…entretanto, apesar do potencial para explicitar a diversidade cultural, até o momento essa massa de informações parece ser apenas o reflexo da dominação cultural exercida pelos grandes pólos econômicos, repetindo mais uma vez a dicotomia centro x periferia.
- Enquanto a rede se expande cada vez mais nos países ditos de “primeiro mundo”, os países periféricos, ou “em desenvolvimento” como o Brasil apresentam uma participação ainda tímida na comunidade internauta, se comparada aos países mais desenvolvidos. (ver tabela 1)
Tabela 1: Porcentagem de usuários da Internet em relação a população total Finlândia 27,9% Estados Unidos 27,8% Canadá 26% Dinamarca 22% Inglaterra 18% Japão 11% África do Sul 2,4% Brasil 2,1% Egito 0,6% México 0,5% Índia 0,49% Filipinas 0,03% Dados referentes a dezembro de 1998. Fonte: NUA Internet Surveys
Como esperar um ambiente plural quando apenas uma parcela da população mundial está participando desse processo – notadamente aquela que historicamente está a frente dos processos de produção e difusão da informação?
Permanência ou alteração? O fato é que nada está decidido ainda, o processo ainda é recente e muito pode ser feito. É importante perceber o potencial da Internet para construção de algo positivo, com a participação de todos os povos.
O final do século é marcado pela “globalização”, mas uma globalização onde ocorre a hegemonia de um grupo, um único modelo de desenvolvimento e de cultura que se impõe, uma globalização de cima para baixo, baseada na desconstrução da pluralidade a partir da imposição de um modelo único.
A Internet deveria ser utilizada para reverter esse quadro, permitindo que a diversidade fosse explicitada, fazendo com que os povos interagissem na busca de algo acima das diferenças políticas, econômicas e ideológicas, o “bem comum” a que se refere Phillipe Quéau, um bem comum construído com esforços e debates coletivos, e que envolvesse de fato todos aqueles que direta ou indiretamente sofrem com os efeitos da “globalização” atual.
WWW e o cidadão brasileiro: cultura, classe social e escolaridade
No Brasil, apesar do rápido crescimento do número de usuários, a Internet ainda é um privilégio para poucos, como vemos nos dados abaixo:
Perfil do usuário da Internet no Brasil
38% têm nível de instrução superior 40% têm o segundo grau completo 62% falam a língua inglesa 64% acessam a rede diariamente 43% têm faixa salarial entre 20 e 50 salários mínimos Total de entrevistados: 25.316 Enquanto isso...62% da população brasileira recebe menos de 5 salários mínimos ao mês Nos grandes centros urbanos* do Brasil: 5,0% têm computadores 25,2% têm telefone 26,5% têm automóvel 26,9% têm videocassete 33,2% têm lava-roupas Amostragem: 5.000 domicílios * Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza. Fonte:IBGE
Falar da participação da população na Internet num país que ainda carece de serviços básicos como educação, saneamento básico, obras de infra-estrutura, etc. pode causar estranheza, mas o momento para essa discussão é mais do que oportuno.
Por estar ainda se desenvolvendo – embora com uma velocidade nunca vista em qualquer meio de comunicação até então – a Internet ainda apresenta possibilidades para ser moldada de acordo com a vontade de seus usuários. O problema é justamente permitir que mãos diversas possam modelar a massa bruta.
É importante destacar que quando falamos em democratizar o acesso à Internet, devemos ter em mente que a questão não se resume apenas a garantir acesso aos meios tecnológicos – computadores, linhas telefônicas, etc.
Tão importante quanto garantir o acesso à tecnologia é garantir que todos possam utilizá-la de maneira apropriada, ou melhor, que possam vir a aprender como utilizar de maneira apropriada a tecnologia desenvolvida, que teoricamente deveria beneficiar a todos indistintamente.
De maneira geral, historicamente o progresso tecnológico ocorre sem maiores preocupações com a diversidade cultural dos usuários finais do processo. Imagina-se que qualquer cidadão esteja apto a vir a compreender e utilizar corretamente os bricabraques que a modernidade engendra incessantemente.
Ignora-se nesse processo a diversidade sócio-cultural existente, a coexistência de diferentes grupos sociais, e isso por sua vez gera uma inadequação do produto aos seus usuários finais, ou pior ainda, limita a utilização de um produto a determinada casta privilegiada capaz de desvendar os seus mistérios. Aqueles que não forem capazes de desvendar o enigma da Esfinge serão devorados impiedosamente.
No Brasil, um país com contrastes sócio-culturais e econômicos tão marcantes, a Esfinge ameaça abocanhar grande parte da população, desconsiderada no processo de desenvolvimento tecnológico.
Um exemplo claro disso são as máquinas de auto-atendimento bancário, projetadas para uma população letrada, com domínio não só do alfabeto mas também com facilidade para apreender diferentes sistemas computadorizados. Num país onde cerca de 16% da população é analfabeta, imagina-se as dificuldades que tais sistemas apresentam para serem compreendidos e utilizados satisfatoriamente. Se para pessoas alfabetizadas a linguagem dos computadores ainda é extremamente complexa, que dirá para aqueles que não dominam os códigos mínimos que balizam grande parte dos sistemas de informação atuais – o alfabeto, a escrita e a leitura?
A crescente informatização em todos os setores da vida cotidiana aponta um quadro preocupante: como farão aqueles que não compreendem os códigos do meio digital para se relacionarem num mundo cada vez mais mediado pela máquina?
A forma como o desenvolvimento tecnológico tem se dado pode promover, mais uma vez, a exclusão social de grupos que não se orientam pelos mesmos códigos culturais utilizados por aqueles que dominam o processo.
Percebe-se então porque a discussão sobre utilização da Internet por grupos sociais diversos é tão importante neste momento.
A Internet pode vir a ser um instrumento poderoso de construção de um mundo melhor para todos, desde que seja realmente um veículo de acesso irrestrito. Para tanto é preciso viabilizar sua utilização por diferentes culturas, independente dos códigos que utilizem, uma vez que cada grupo social opera segundo sua própria lógica.
A pluralidade de códigos não deve ser vista como um empecilho para a comunicação, uma vez que o próprio processo comunicacional é um esforço contínuo, construído, negociado e redefinido a cada instante pelos atores envolvidos.
A tecnologia deve se adaptar aos diversos contextos culturais existentes, nunca o contrário.
O que pode ser feito por designers conscientes?
O design é notadamente uma área de atuação onde aspectos técnicos e humanos estão presentes em igual intensidade. No campo do design, as inovações tecnológicas interessam tanto quanto a compreensão da complexidade das relações humanas.
Se num futuro próximo, a Internet – e especialmente com o surgimento da Intenet 2, a nova fase da Internet, com aumento da capacidade de transmissão de dados – e os sistemas de informação computadorizados deverão ter uma presença cada vez mais incisiva nas atividades cotidianas, caberá ao designer a tarefa de intermediar a adaptação da tecnologia às especificidades dos diversos contextos sócio-culturais existentes.
A participação de grupos sociais diversos na construção de um mundo melhor, potencializada com o surgimento da Internet, dependerá em grande parte dos esforços dos profissionais de design, de maneira a permitir que o intercâmbio entre culturas não seja limitado pelas regras impostas por grupos minoritários que controlam o desenvolvimento tecnológico.
10 de março de 1999