Sistemas de Informação Ambiente (Ambient information systems)

Mauro Pinheiro


Resumo

Neste artigo discute-se uma categoria particular de sistemas de informação, a saber, sistemas de informação ambiente (ambient information systems). Estes sistemas apresentam informações de maneira não intrusiva, privilegiando a periferia de nossa percepção, valendo-se dos princípios da tecnologia sem estresse (calm technology). São descritos projetos dessa natureza, evidenciando suas características e limitações. Ao final do artigo são propostas algumas questões e possíveis desdobramentos. O artigo é fruto de uma pesquisa exploratória desenvolvida pelo autor, como parte de sua tese de doutorado em andamento, cujo tema trata do design de interação em contextos de pervasividade computacional.

Abstract

In this article a specific category of information systems, known as ambient information systems, is discussed. These systems present information in a non-intrusive manner, mostly on the periphery of our attention, following the concept of calm technology. Some ambient information systems are discussed, highlighting their characteristics and limitations. This article is an exploratory research conducted by the author as part of his PhD thesis about interaction design and pervasive computing.

Introdução

Em meio à correria e agitação dos centros urbanos, nos acostumamos a conviver com diversos sistemas de informação [1]. Embora a presença desses sistemas seja facilmente percebida, é possível passarmos por eles sem nos darmos conta, normalmente porque não sentimos necessidade de consultar as informações que apresentam, ou porque estamos com nossa atenção voltada para outras tarefas. Os relógios públicos, que além da hora indicam também a temperatura ambiente, são exemplos desses sistemas de informação. Outro exemplo pode ser visto na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde um medidor de raios ultra-violeta indica o nível de radiação a qual estamos expostos e sugere qual o fator de proteção mais adequado de protetor solar para aquele momento. Os outdoors que povoam nossa paisagem urbana também são exemplos de sistemas de informação com os quais lidamos diariamente e que muitas vezes passam desapercebidos. A presença desses sistemas não requer nossa atenção imediata, permanecendo na maioria das vezes na periferia da nossa percepção.

Quando esses sistemas de informação são incrementados com tecnologia computacional, são também chamados de peripheral displays (MANKOFF e DEY, 2003). Aqui nos interessa especialmente um subgrupo desses sistemas, os sistemas de informação ambiente (ambient information systems).

Sistemas de Informação Ambiente

Sistemas de informação ambiente são aqueles que “apresentam continuamente informações que podem ser monitoradas pelas pessoas sem exigir o foco de sua atenção” (MANKOFF e DEY, op. cit., p.210, tradução minha). Nesses sistemas a apresentação das informações é feita privilegiando a periferia da atenção humana, fora do foco principal, demandando menor esforço cognitivo para sua percepção:

Sistemas de informação ambiente (…) são não-invasivos e fornecem informação útil enquanto se mesclam suavemente ao nosso entorno. Essas tecnologias são pensadas para serem minimamente percebidas fora do foco direto de atenção de uma pessoa, provendo um processamento pré-atencional da informação, sem distrair excessivamente. Exemplos destes sistemas vão desde grandes displays públicos até pequenos ícones animados na barra de programas dos computadores Macintosh. (HAZLEWOOD et al, 2007, tradução minha).

Nos sistemas de informação ambiente há uma preocupação especial em apresentar informações de forma discreta, sem que seja necessário interromper qualquer atividade para percebê-los. Em um mundo com um número cada vez maior de fontes de informação, que podem ser acessadas a partir de dispositivos variados e em contextos diversos, os sistemas de informação ambiente representam uma tentativa de minimizar o esforço necessário para acompanhar tantas informações. Essa preocupação se intensifica com a pervasividade computacional, a partir da qual os objetos mais corriqueiros podem ser também sistemas de informação (PINHEIRO e SPITZ, 2007). Torna-se necessário buscar alternativas para hierarquizar as fontes de estímulos sensoriais ao nosso redor, e uma estratégia interessante é justamente relegar ao pano de fundo de nosso entorno as informações secundárias, que não são essenciais, mas das quais podemos fazer uso a qualquer instante.

Um dos primeiros exemplos conhecidos desse tipo de sistema de informação é o Dangling String (também conhecido como Live Wire), um projeto desenvolvido pela artista Natalie Jeremijenko no centro de pesquisa da Xerox em Palo Alto (Xerox PARC). Trata-se de uma instalação, na qual um fio de plástico é ligado a um motor elétrico instalado no teto de uma sala. O motor está conectado à rede interna da instituição por um cabo Ethernet, de maneira que o fluxo de dados da rede interfere diretamente no seu movimento: quando há um fluxo intenso de dados, o motor gira rapidamente, enquanto um fluxo reduzido faz com que o motor gire lentamente. O fio de plástico acompanha o movimento do motor, produzindo um ruído quando em movimento acelerado. A combinação de movimento e ruído é facilmente percebida à distância, sem interferir em qualquer ação que esteja ocorrendo. A idéia da instalação não era informar com exatidão a quantidade de dados trafegando na rede interna da instituição, mas dar uma noção geral desse fluxo, e assim permitir que as pessoas tivessem um indício visual que pudesse ser associado ao tráfego de dados. Quando o fio girasse freneticamente indicaria uso intenso da rede, e tornaria explícito, por exemplo, o motivo de um site na Internet demorar tanto a carregar naquele momento.

Dangling String
Figura 1: Dangling String (fonte: http://nano.xerox.com/weiser/calmtech/calmtech.htm)

A instalação Dangling String é um exemplo típico dos sistemas de informação ambiente. Estes sistemas normalmente apresentam informações de maneira discreta, sem chamar atenção demasiada para si, dando suporte constante ao monitoramento de informação não-crítica.

Essa preocupação com a discrição e com uma forma não-intrusiva de apresentação de informações tem raízes no trabalho de Mark Weiser, precursor das pesquisas em ubiqüidade computacional. Ao contrário de muitas pesquisas sobre computação que ocorriam naquele momento, ao iniciar o programa sobre ubiqüidade computacional no final da década de 80, Weiser estava interessado menos nas questões técnicas e mais no contexto de uso, nos impactos que a presença cada vez mais intensa da tecnologia computacional teria em nossas vidas:

O programa foi pensado inicialmente como uma resposta radical para tudo o que havia de errado com os computadores pessoais: muito complexos e difíceis de usar; demandam muita atenção; provocam o isolamento de outras pessoas e atividades; e dominadores, colonizando nossas mesas e nossas vidas. Nós queríamos colocar a computação de volta ao seu lugar, reposicioná-la no fundo da cena, nos concentrando mais em interfaces homem-homem e menos em interfaces homem-computador. (WEISER, BROWN e GOLD, 1999, p.693, grifo dos autores, tradução minha).

Tendo em perspectiva a proliferação de fontes de informação competindo por nossa atenção a partir da incorporação de dispositivos computacionais aos objetos cotidianos, Weiser demonstrava especial interesse em tornar simples a utilização desses sistemas. O objetivo então era que os computadores “desaparecessem”, tornando-se uma ferramenta tão simples que seria usada sem demandar nossa atenção:

Nos últimos anos alguns de nós no PARC começamos a falar em calm computing como uma meta, descrevendo o estado mental que desejamos para o usuário, em oposição à configuração de hardware do computador. Assim como um bom martelo “desaparece” nas mãos de um carpinteiro, permitindo-lhe concentrar-se no que interessa, nós esperamos que os computadores possam desaparecer como em um passe de mágica (WEISER, BROWN e GOLD, op. cit., p.695, grifo dos autores, tradução minha).

Weiser acreditava que as tecnologias que causam impacto mais profundo em nossas vidas são aquelas que “desaparecem”, de tão imbuídas no nosso dia-a-dia. (WEISER, 1991). Como destaca o autor, a idéia de calm computing, ou calm technology, indica um estágio de evolução da computação no qual usamos essa tecnologia sem perceber. É precisamente a idéia de calm technology, uma tecnologia sem estresse (PINHEIRO, 2008), o princípio que baliza muitos dos projetos de sistemas de informação ambiente. A informação quase “desaparece”, sendo apresentada de maneira discreta, podendo no entanto ser facilmente deslocada para o centro de nossa atenção e utilizada sempre que necessário. A possibilidade de deslocamento entre periferia e centro da nossa atenção é uma das principais características da tecnologia sem estresse (calm technology), conforme concebida por Weiser e Brown (1996).

É importante destacar que falamos em percepção da informação, o que implica um tipo específico de comunicação. Não se pretende com esses sistemas apresentar dados complexos, que demandem análise detalhada. Ao contrário, a intenção é apresentar dados sutilmente, para que as informações sejam percebidas sem esforço e não causem perturbação. Normalmente os sistemas de informação ambiente são utilizados em situações que não são orientadas à tarefas, isto é, que não demandam uma ação imediata como resposta às informações exibidas. Esse tipo de interface não se aplicaria, por exemplo, a um terminal de controle de tráfego aéreo, cuja operação exige que seu operador esteja concentrado nas informações apresentadas. Embora um terminal como este seja tipicamente um projeto de design, tanto no que diz respeito ao projeto da interface quanto ao design da informação em si, de maneira geral não se trata de um sistema de informação ambiente, uma vez que se espera que a apresentação dos dados esteja dentro do foco de atenção dos seus operadores. Como destacam Weiser e Brown (1996), nem toda situação é adequada a uma abordagem de calm technology, sendo necessário um cuidado especial para projetar sistemas de informação que atuem na periferia de nossa atenção:

Nem toda tecnologia precisa ser calma. Um videogame que nos acalmasse teria pouca utilidade, o ponto do videogame é exatamente a excitação. Mas o design tem focado muito nas características superficiais dos objetos sem considerar o contexto. Nós precisamos aprender a projetar para a periferia de maneira que possamos comandar a tecnologia sem sermos dominados por ela. (WEISER e BROW, op. cit., tradução minha).

A idéia de poder deslocar as informações entre o centro e a periferia de nossa percepção, um dos pontos principais da tecnologia sem estresse, ainda hoje orienta parte das pesquisas de ubiquitous computing. Os trabalhos nesse campo buscam o desenvolvimento de sistemas e produtos “inteligentes”, que possam atuar de forma independente, sem depender necessariamente de nossa intervenção. Em tese, ao mesmo tempo em que o avanço da tecnologia permitiria a criação de objetos com capacidade de processamento computacional, comunicando-se entre si constantemente, este ambiente interconectado não seria um estorvo para nós justamente pela possibilidade de deslocarmos os sistemas de informações para o pano de fundo, sem demandar nossa atuação direta.

Partindo de um escopo mais modesto, e no entanto alinhado com a idéia de reduzir o esforço cognitivo necessário para a utilização de sistemas de informação, encontramos nos sistemas de informação ambiente uma aplicação dos princípios da tecnologia sem estresse que não necessita de análises de contextos complexos ou de sistemas avançados de inteligência artificial. Muitos projetos partem do princípio de enriquecer o campo periférico com informações, que são percebidas sem demandar esforço, auxiliando na compreensão intuitiva de uma situação mais complexa. Essa abordagem se apropria do chamado processamento pré-atencional (preattentive processing) (HEALEY, 2007; HEALEY et al, 1996), normalmente associado à percepção visual, mas que pode ocorrer através de estímulos aos outros sentidos (LIMA, 2005).

Podemos usar como exemplo deste enriquecimento do campo periférico o próprio ato comunicacional ocorrendo em diferentes meios. Em uma conversa telefônica, parte da compreensão do discurso se dá pela maneira como falamos, ou seja, por um nível de informação que vai além da palavra, do “texto” enunciado. Podemos perceber variações sutis do discurso pela entonação dos sujeitos, que nos indicam um discurso subjacente ao que é dito. Da mesma forma, em uma vídeo-conferência a imagem dos interlocutores fornece mais informações que atuam na periferia de nossa atenção e permitem uma melhor compreensão do discurso, pela visualização do sujeito e de seu comportamento. Na comunicação por email, na qual contamos apenas com a palavra escrita, muitas vezes ocorrem desentendimentos pela redução de informações periféricas que auxiliem na compreensão do discurso, exigindo maior atenção com a redação do texto do que seria necessário em uma conversa presencial. As inflexões da voz, os movimentos corporais, as expressões faciais, são informações periféricas que auxiliam a comunicação sem no entanto exigir maior esforço cognitivo, sendo percebidas intuitivamente.

Para melhor compreensão de como podemos aplicar estes princípios em projetos de objetos e sistemas de informação, descreveremos a seguir alguns projetos que de maneiras diversas apresentam dados de forma não intrusiva. Destacamos ainda algumas limitações e possíveis desdobramentos destes projetos.

Ambient Umbrella

A idéia deste produto é resolver um problema corriqueiro: decidir se é necessário levar ou não o guarda-chuva ao sair de casa. Normalmente para resolver esse dilema, uma pessoa procuraria se informar sobre as condições climáticas do dia. Veria a previsão do tempo em um jornal, ou acessaria um site (via web, celular etc.) com a previsão meteorológica, ou ainda ligaria a TV no canal do tempo. Além, é claro, de poder olhar pela janela para conferir se há indícios de chuva.

Em qualquer uma das opções descritas acima, para informar-se sobre a previsão do tempo seria necessário realizar alguns passos antes de tomar a decisão final sobre levar ou não o guarda-chuva. Caso uma pessoa não tenha a assinatura de um jornal diário, teria que ir à banca mais próxima e adquirir um exemplar. A previsão do tempo pela televisão, embora seja tradição em outros países, não é algo comum no Brasil. Essa informação, no caso específico da TV brasileira, fica restrita a um momento dos jornais televisivos, não sendo portanto uma alternativa efetiva. Na falta de um canal de televisão com a previsão do tempo, e sem um jornal em casa, restaria a opção de olhar pela janela e arriscar um palpite, ou usar o computador para buscar a informação em algum site que apresente a previsão para o dia. Essa operação por sua vez demanda tempo e energia: seria necessário ligar o computador, acessar um site específico, solicitar a informação, interpretar a informação recebida, para só então saber as chances de haver chuva naquele dia. Uma série de passos para ter uma informação simples que tomam algum tempo, demandam esforço cognitivo e com certeza uma boa dose de paciência.

O projeto Ambient Umbrella resolve esta questão de maneira relativamente simples. Trata-se na verdade de um guarda-chuva que “avisa” quando vai chover. Se a previsão do tempo para o dia for de chuva ou de neve, o cabo do guarda-chuva emite uma luz. Algo semelhante ao antigo galinho meteorológico (ver figura 2), que mudava de cor de acordo com a umidade relativa do ar, indicando a possibilidade de chuva.

Galinho Meteorológico
Figura 2: O conhecido galinho meteorológico é um curioso antecessor do ambient umbrella, que não se vale de qualquer dispositivo computacional. Uma camada de cloreto de cobalto, componente químico com a propriedade de mudar de cor em função da umidade relativa do ar, reveste a superfície do galo. A cor azul indica pouca umidade, enquanto os tons de rosa indicam um ambiente com maior umidade relativa do ar. Obviamente a precisão desse sistema é limitada, uma vez que a umidade de um ambiente não depende exclusivamente do clima, podendo o cloreto de cobalto ser afetado por outros fatores que não sejam as condições climáticas. (fonte: arquivo pessoal)

Enquanto o galinho meteorológico apresenta um funcionamento relativamente simples, seu equivalente contemporâneo tem como base um sistema mais complexo. O guarda-chuva recebe informações sobre o clima por ondas de rádio, de um site especializado. Dependendo do prognóstico, a luz do cabo acende indicando chuva, garoa, neve, e trovoadas. Do ponto de vista do usuário, trata-se de um guarda-chuva comum, que simplesmente pisca a luz do cabo quando vai chover. A idéia é realmente que a tecnologia envolvida no processo não seja percebida, como anunciado no site da empresa Ambient Devices [2], responsável pelo produto:

Nossos padrões permitem o desenvolvimento de uma tecnologia que não parece mais com tecnologia. Essa “tecnologia educada” não requer uma infra-estrutura computacional ou técnica para funcionar, permitindo que a tecnologia seja transparente. […] Quando a tecnologia se torna transparente as oportunidades para sua implementação se expandem para muitos consumidores e situações nas quais a tecnologia normalmente não é encontrada. Assim como relógios, ambient displays podem ser incorporados a objetos do dia-a-dia para prover acesso rápido e intuitivo às informações mais relevantes para os consumidores. (tradução minha)

Ambient Umbrella
Figura 3: O Ambient Umbrella, cujo cabo emite uma luz quando há probabilidade de chuva, trovoadas ou neve. O sistema está conectado a um serviço de previsão meteorológica. (fonte: http://www.ambientdevices.com)

A informação neste caso é apresentada de maneira discreta, não intrusiva, sem atrapalhar qualquer atividade que ocorra simultaneamente no ambiente. No entanto, uma vez que se precise decidir se o guarda-chuva será necessário ou não, uma rápida olhada para o cabo já apresenta a resposta de forma imediata, intuitiva e precisa, sem demandar esforço algum. Uma aplicação exemplar dos princípios de tecnologia sem estresse em um sistema de informação.

The Good Night Lamp

O projeto em questão procura comunicar o ato de chegar em casa para pessoas queridas, valendo-se de um objeto tão simples como um abajur. Ao chegar em casa e acender a luz do abajur, um sinal é enviado a outros aparelhos semelhantes, em menor escala, remotamente conectados ao emissor, e a luz destes receptores também é acesa. Assim é possível indicar quando se está “conectado”. Os abajures remotos com a luz acesa indicam que uma pessoa ligou o seu abajur, o que convenciona-se indicar a sua presença em casa ― ou ao menos a intenção de dizer que está acessível, mesmo que porventura não esteja no ambiente no qual se encontra o abajur.

The Good Night Lamp
Figura 4: Os abajures são conectados entre si, de maneira que ao acender o abajur grande, seu correspondente também é aceso, mesmo a distância. (fonte: http://www.goodnightlamp.com)

The Good Night Lamp
Figura 5: The Good Night Lamp: cada abajur tem correspondentes em escala reduzida, aos quais está conectado remotamente. Ao acender a luz do abajur, seus correspondentes também terão a luz acesa, indicando que a pessoa está em casa. (fonte: http://www.goodnightlamp.com)

A designer Alexandra Deschamps-Sonsino, criadora do projeto, acredita que existe uma mudança em curso na maneira como as pessoas vivem em sociedade; passamos a ter uma necessidade constante de estarmos acessíveis. De fato, nos últimos anos observamos a popularização de sites de redes sociais como Facebook, Orkut, Twitter e de programas de mensagens instantâneas (instant messengers) como MSN Messenger, Skype, a partir dos quais é possível manter contato com pessoas que não vemos com freqüência e eventualmente acompanhar o dia-a-dia retratado a partir dos comentários, fotografias e outras informações pessoais tornadas públicas online. De maneira semelhante, a intensificação do uso de telefones móveis fez surgir a reboque a sensação de que estamos o tempo todo acessíveis, rastreáveis por esses aparelhos que já foram chamados de “coleiras eletrônicas” (digital leashes) (WEERAKKODY, 2008). Este tipo de comportamento reforça o que Alexandra chama de um sentimento de estarmos “always on, sometimes off“. A designer acredita que no futuro vamos “aprender a compartilhar parte de nossas vidas com nossa família, nossos amigos e pessoas queridas de maneira sutil, com a ajuda de uma tecnologia mais sensível, invisível e inteligente” [3].

Aqui vemos a aplicação de um princípio popularizado nos programas de mensagens instantâneas, cuja interface em geral apresenta uma lista de pessoas do círculo de relações do usuário do programa. Cada pessoa na lista de contatos tem seu estado indicado por um símbolo. Se um indivíduo encontra-se online, com o programa em funcionamento, mas está ocupado em outras tarefas, pode alterar seu estado no programa, que passará a exibir uma indicação visual de que a pessoa está ocupada. Da mesma forma, existem convenções visuais para diferentes estados dos usuários (online, invisível, ocupado, disponível, afastado etc.).

A apropriação do princípio usado nos instant messengers, de indicar visualmente o estado de uma pessoa no sistema (no caso da Good Night Lamp, a luz acesa indicando a presença, a luz apagada indicando que a pessoa está ausente) aplicado a um objeto tão comum quanto um abajur é um exemplo de sistemas de informação ambiente. Um sistema de informação integrado ao ambiente, com carga informacional reduzida ao mínimo, de maneira que a comunicação não interfira em outras tarefas, permanecendo na periferia de nossa atenção. Os instant messengers, até o momento, são programas para computadores “convencionais” (do tipo desktop ou laptops) [4] e implicam contextos de uso específicos, que em nada se assemelham à tecnologia sem estresse. Os abajures projetados por Alexandra integram-se à casa de maneira discreta, sem interferir nas ações dos moradores, e transmitem a sensação de presença e proximidade entre pessoas distantes. Embora na proposta atual somente duas situações sejam representadas (aceso/presente ou apagado/ausente), seria possível convencionar outros estados pelo uso de variações da luminosidade, de maneira que cada situação luminosa indicasse um estado distinto do usuário (presente mas ocupado, por exemplo).

Thirsty light

Este projeto pretende auxiliar a manutenção das plantas domésticas, monitorando constantemente o solo para verificar a umidade da terra, e alertar quando for necessário regar as plantas. O aparelho é constituído basicamente por uma vareta, com um bulbo contendo uma lâmpada LED em uma extremidade, e um sensor de umidade na outra extremidade. O funcionamento é relativamente simples: basta enterrar a ponta com o sensor em um vaso de plantas e ele passa a medir a umidade da terra. Quando a umidade chegar a um determinado nível, considerado baixo para manutenção da planta, a luz na extremidade oposta da vareta começa a piscar em intervalos de tempo regulares. Quanto mais baixa a umidade da terra, mais rápido a luz pisca, indicando urgência em regar a planta. Todo o sistema é baseado na tecnologia chamada DryPoint, constituída pelo sensor de umidade e pelo circuito digital contido no bulbo superior, que recebe e interpreta as informações enviadas pelo sensor e faz com que a lâmpada LED pisque de acordo com os parâmetros especificados. O sensor trabalha com 5 níveis distintos de umidade, permitindo que seja adaptado a diferentes necessidades de água para diversos tipos de plantas.

Thirsty Light
Figura 6: Thirsty Light, aparelho projetado para monitorar a umidade da terra e alertar quando for necessário regar as plantas. (fonte: http://www.thirstylight.com)

Apesar do sistema ser relativamente simples, ainda é necessário que a pessoa tenha alguns cuidados. Uma vez que o dispositivo simplesmente mede a umidade da terra sem interpretar as necessidades específicas das plantas, é possível que mesmo com uso desta tecnologia haja uma má manutenção. Enquanto algumas espécies preferem mais umidade, outras sobrevivem melhor com pouca água. No próprio site do produto é aconselhado acompanhar o comportamento das plantas, para ajustar corretamente o dispositivo às características de cada espécie. Se uma planta absorve umidade mais rápido do que outras, a vareta deve ser posicionada com o sensor mais próximo à superfície, região que tende a secar mais rapidamente.

Como podemos perceber, apesar de auxiliar na manutenção das plantas em casa, este projeto não prescinde de que se dê atenção para as plantas, ao menos no estágio inicial em que é necessário fazer um “ajuste fino” no sistema, posicionando os sensores de acordo com o comportamento de cada tipo de planta.

Ladybag

Este projeto, desenvolvido por alunas da School of Interactive Arts and Technology da Simon Fraser University, trata de um objeto do cotidiano feminino, a bolsa. A partir da utilização de componentes eletrônicos, a proposta é tornar a bolsa um espelho das emoções de seu portador ― a bolsa então é classificada como um Affective Communication System (ACS). Além disso, a bolsa é capaz de identificar a presença ou ausência dos itens mais importantes, segundo suas criadoras: chaves, carteira e telefone celular [5]. Neste caso, a bolsa atua como um Effective Organizing System (EOS).

O funcionamento como um Affective Communication System se dá através de sensores sensíveis à pressão, posicionados em pontos diversos da bolsa. Uma vez pressionados, os sensores acionam lâmpadas LED na superfície externa da bolsa, apresentando símbolos para cada estado emocional. Para cada sensor há um conjunto de estados emocionais, que variam de acordo com a pressão aplicada. O usuário deve memorizar a localização dos pontos de acionamento, os níveis de pressão possíveis em cada ponto e os estados emocionais correspondentes, para que possa se expressar corretamente através da bolsa.

Lady Bag 1
Figura 7: Ladybag: diagrama com a localização dos sensores e as emoções correspondentes (fonte: http://www.ladybag.official.ws/)

O sistema de rastreamento de objetos dependente menos da ação do usuário. Basicamente, objetos dotados de etiquetas de identificação por rádio freqüência (RFID tags) são rastreados por um leitor presente na bolsa. Se um dos itens está fora do alcance, o sensor aciona lâmpadas LED na superfície externa, indicando qual objeto não está presente.

Lady Bag 2
Figura 8: Ladybag como Effective Organizing System (fonte: http://www.ladybag.official.ws/)

Em ambas as versões de Ladybag, seja como um Affective Communication System (AOS) ou como um Effective Organizing System (EOS), a superfície externa da bolsa funciona como um sistema de informação ambiente, apresentando dados relativos ao status tanto do usuário quanto dos objetos em comunicação com o sistema, de maneira discreta e não obstrutiva.

Há que se destacar que a versão AOS da Ladybag depende da ação direta do usuário para que este possa expressar suas emoções. Assim, embora possa ser vista como um sistema de informação ambiente, uma vez que apresenta informações de maneira discreta para outras pessoas, é necessária uma ação consciente e ativa do usuário que carrega a bolsa para que o sistema atue. Isto coloca em questão a adequação deste projeto à classificação de tecnologia sem estresse [6]. Uma alternativa para este problema seria a utilização de sensores biométricos que monitorassem constantemente o corpo do usuário, de maneira a perceber mudanças no seu estado emocional sem demandar uma ação consciente para exibição dessas informações.

A título de conclusão…

Os projetos descritos anteriormente têm em comum o fato de apresentarem informações não-críticas, de maneira discreta, atuando principalmente na periferia de nossa atenção. Como vimos, isto é particularmente interessante se consideramos que as tecnologias computacionais e sistemas de informação têm se espalhado em nosso cotidiano de forma cada vez mais intensa. Se por um lado o avanço da computação abre novas possibilidades de acesso à informação, fazendo com que objetos corriqueiros disponham de uma inteligência computacional que permite que nos alertem quanto a mudanças climáticas, nos avisem quando nossos amigos chegam em casa, nos lembrem de que é preciso regar as plantas, por outro lado é preciso explorar alternativas para o desenvolvimento de interfaces que garantam que esse aumento de canais de informação não nos sobrecarregue.

Do ponto de vista do design de informação, há muitas questões que ainda carecem de pesquisa e sistematização no que se refere ao projeto de sistemas de informação ambiente. Como avaliar a eficácia de um sistema que a princípio não deve ser percebido intencionalmente por seus usuários? Os métodos de avaliação mais conhecidos, normalmente orientados por tarefas, não são adequados para este tipo de sistema. Que métricas, heurísticas e métodos de avaliação podem ser usados, considerando que na maioria dos casos não há uma tarefa explícita a ser cumprida pelos usuários? Pesquisas no campo da percepção visual e psicologia cognitiva (HEALEY, 2007 e 1996; LIMA, 2005) e estudos específicos sobre sistemas de informação ambiente (HAZLEWOOD et al, 2008 e 2007) indicam algumas caminhos possíveis, mas ainda há muito o que pesquisar. Existem informações que sejam mais adequadas a este tipo de sistema? O que significa projetar para periferia de nossa atenção, tendo em perspectiva todos os sentidos humanos sem nos limitarmos à visão, explorando também o tato, a audição, o olfato?

São muitas perguntas, cujas respostas fogem ao escopo deste artigo e da pesquisa exploratória realizada até o momento. O projeto de sistemas de informação ambiente é um campo relativamente novo para o design de informação, mas é fundamental que aprofundemos as pesquisas sobre este assunto. Este artigo é um convite à discussão de um tema cuja importância tende a crescer em um futuro próximo.

Referências

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Notas

[1] Sistema de informação refere-se “ao conjunto de pessoas, procedimentos e equipamento projetado, construído, operado e mantido com a finalidade de coletar, registrar, processar, armazenar, recuperar e exibir informação, podendo assim servir-se de diferentes tecnologias” (HOUAISS e VILLAR, 2001). Aqui interessa especialmente o uso da tecnologia computacional para a coleta, registro, processamento e exibição de informações.

[2] http://www.ambientdevices.com

[3] http://www.goodnightlamp.com/ (tradução minha).

[4] O recente aumento do número de smart phones, como Blackberry e iPhone, tende a mudar este quadro, pela possibilidade que uso de programas de mensagens instantâneas semelhantes ao dos computadores do tipo desktop. O contexto de uso no entanto é diverso, uma vez que os smart phones permitem a mobilidade e utilização em situações bem distintas dos computadores “tradicionais”.

[5] Curiosamente, os três itens selecionados pelas autoras do projeto como essenciais para serem rastreados pela bolsa foram identificados como elementos comuns presentes nas bolsas de pessoas de diferentes culturas ao redor do planeta, na pesquisa realizada por Jan Chipchase, User Research Manager do Nokia Research Center. A data da criação do projeto Ladybag é anterior à pesquisa de Chipchase, descartando a possibilidade das autoras terem selecionado estes três itens com base na pesquisa. A escolha no entanto foi semelhante ao que foi identificado pelo pesquisador da Nokia. A diferença é que no estudo realizado por Chipchase, além do telefone celular e das chaves, o dinheiro foi o terceiro item, ao invés da carteira. (CHIPCHASE et al, 2005)

[6] Após a realização de testes com usuários, as autoras do projeto constataram que a manipulação dos sensores de pressão para informar estados emocionais era relativamente complexa, pela dificuldade de memorizar a localização dos pontos, e de relacionar cada ponto com a emoção desejada. Isso coloca em questão a classificação deste sistema como uma tecnologia sem estresse, ao menos do ponto de vista do usuário que manipula a bolsa. No entanto, a bolsa é um sistema de informação ambiente quando comunica estados emocionais de seu usuário de maneira discreta para quem está ao redor.

Referência para este artigo

PINHEIRO, Mauro. Ambient information systems. In: Congresso Internacional de Design da Informação, 4., 2009, Rio de Janeiro; Anais…CD-ROM, p.35-46. Rio de Janeiro, 2009.

12 de setembro de 2009